Continuo compartilhando a reportagem da Suzel Tunes:
Após a devocional criativa e alegre, valorizando a cultura popular brasileira e lembrando do povo sertanejo que busca na fé a força para viver, o professor Wesley Ariarajah iniciou a palestra intitulada Repensando a missão para o século 21. Analisando o atual momento em que vivemos ele disse:
“Em 1910, quando se organizava a Conferência Missionária de Edimburgo, o continente europeu era visto como cristão. Hoje, grande parte do continente secularizou-se. Persistem pequenas comunidades de fé, enquanto as grandes catedrais estão vazias. Nos Estados Unidos, os cristãos fiéis também são minoria. O que se vê é uma sociedade conectada à ideologia capitalista e consumista. E na África, onde se diz que o cristianismo está crescendo, na verdade o que vemos é o crescimento da teologia da prosperidade e não o chamado ao discipulado cristão. Não quero, no entanto, ser pessimista. Mas precisamos pensar como responder a esta realidade”.
Para responder a esta questão, o professor voltou-se à Bíblia. Revisitando o Antigo Testamento, ele analisou o conceito judaico de missão. E observou que Javé, o Deus da Justiça, que havia libertado o povo do Egito, tornou-se, na compreensão do povo judaico, o Deus de todas as nações.
Em Amós 9.7, o profeta diz que Deus não libertou apenas os filhos de Israel, mas libertou também outros povos: Não sois vós para mim, ó filhos de Israel, como os filhos dos etíopes? - diz o SENHOR. Não fiz eu subir a Israel da terra do Egito, e de Caftor, os filisteus, e de Quir, os siros?
Isaías 19.24-25 diz: Naquele dia, Israel será o terceiro com os egípcios e os assírios, uma bênção no meio da terra; porque o SENHOR dos Exércitos os abençoará, dizendo: Bendito seja o Egito, meu povo, e a Assíria, obra de minhas mãos, e Israel, minha herança. “Lembre-se que Assíria era inimiga de Israel; Egito havia mantido cativo o povo. No entanto, a bênção de Deus é para todos”.
E nas visões escatológicas as nações também são reunidas. Deus é Deus de todas as nações. Como em Apocalipse 21.3: Então, ouvi grande voz vinda do trono, dizendo: Eis o tabernáculo de Deus com os homens. Deus habitará com eles. Eles serão povos de Deus, e Deus mesmo estará com eles.
Caberia, então, ao povo judaico ser testemunha de Deus diante dos outros povos. “Não há nenhuma tentativa em transformar as pessoas em judias. Até hoje o judaísmo não é proselitista”, afirmou o teólogo.
Deus escolheu Israel para ser testemunha entre as nações, mas Israel não recebe a incumbência de converter os outros povos ao judaísmo. O povo de Israel recebe a incumbência de testemunhar a ação de Deus – e neste sentido seu papel é uma necessidade absoluta.
Em Atos1.6, os discípulos perguntam a Jesus ressurreto: “Senhor, será este o tempo em que restaures o reino a Israel?” Jesus responde a partir da compreensão judaica:
Não vos compete conhecer tempos ou épocas que o Pai reservou pela sua exclusiva autoridade; mas recebereis poder, ao descer sobre vós o Espírito Santo, e sereis minhas testemunhas tanto em Jerusalém como em toda a Judéia e Samaria e até aos confins da terra. Atos 1.7-8.
Da mesma maneira, afirma Ariarajah, o apóstolo Paulo não teria, originalmente, a intenção de converter os gregos. Foi à Ásia Menor para convencer os judeus de que Jesus era o Messias e acabou “tropeçando” nos ouvintes gregos.
“Não estou dizendo que não devamos espalhar o Evangelho”, disse o palestrante. “Evangelho é Boas Novas e precisa ser anunciado. Haverá comunidades que se tornarão cristãs, mas esse não é o objetivo da missão.
Ele conta que na Ásia conversão é uma questão complicada. Embora conversão seja a transformação dos corações na direção de Deus; para muitos/as cristãos/ãs a conversão é vista como tirar uma pessoa de uma comunidade para levar para outra. Por isso, a missão cristã é temida, não é tida como missão de cura. O mesmo não ocorre, por exemplo, com o budismo, explicou Ariarajah. O budismo começou como religião pequena no norte da Índia. Hoje é majoritário no Sri Lanka, China, Índia, Tibet, Japão, Tailândia, Taiwan, Hong Kong... “O budismo é a religião de missão mais bem sucedida no mundo”, diz ele. “Nunca houve um império budista. O budismo nunca foi promovido pela espada. Como o cristianismo, com todos os recursos, não conseguiu o que o budismo conseguiu?”, questiona o professor.
Ele disse que estudou o budismo e hinduísmo. Com a platéia da Semana Wesleyana, compartilhou algumas de suas percepções:
"Na tradição Theravada, o monge budista não pode tocar em dinheiro. Suas posses são mínimas: uma muda de roupa, sandálias, uma navalha para raspar a cabeça, uma cuia para receber as doações de alimento. Pela manhã, ele sai pela vila com a vila e o povo lhe dá o alimento e pede orientação. Esse monge depende 100% dos outros para sua sobrevivência. Ele não tem nada a oferecer a não ser o ensino budista. As missões cristãs foram para a África e todas as pessoas ao redor delas são extremamente pobres. A missão é que tem dinheiro e provê todas as necessidades da população no entorno. Nossos missionários/as tornam dependentes todas as pessoas ao redor deles/as".
Em Mateus 10.6-11, Jesus envia os discípulos para a missão com as seguintes orientações:
Curai enfermos, ressuscitai mortos, purificai leprosos, expeli demônios; de graça recebestes, de graça dai. Não vos provereis de ouro, nem de prata, nem de cobre nos vossos cintos; nem de alforje para o caminho, nem de duas túnicas, nem de sandálias, nem de bordão; porque digno é o trabalhador do seu alimento. E, em qualquer cidade ou povoado em que entrardes, indagai quem neles é digno; e aí ficai até vos retirardes.
“Os budistas levaram a sério a ordem de Jesus e os cristãos não”, afirmou o palestrante, gerando uma reação de surpresa mas, também, aprovações. "Não existe missão possível a não ser a humilhação da cruz e o esvaziamento".
Wesley Ariarajah também destacou que o budismo não busca converter pessoas, as influenciar a cultura da sociedade. Os cristãos também devem buscar transformar a vida das pessoas e não membros para suas igrejas. “A Igreja não existe para si mesma. O único motivo de sua existência é servir à missão. Deus não quer salvar a Igreja, mas o mundo. A Igreja deve ser instrumento usado por Deus para a missão”.
A palestra da manhã de quinta-feira, que seria repetida à noite, certamente estimulou os/as participantes da Semana Wesleyana a refletirem sobre o compromisso com a missão. A palestra não repercutiu da mesma maneira entre os espectadores, nem era essa a intenção do palestrante. Seu objetivo, plenamente alcançado, foi abrir portas para o diálogo. Num tema complexo como o desafio da missão em um mundo que sofre constantes transformações, as opiniões sobre o tema também se dividem. Veja abaixo alguns depoimentos:
José Augusto Silveira Neto, metodista, aluno do Curso Teológico Pastoral: Estou gostando muito. Esse é o lugar que temos para refletir sobre essas questões. Lá fora não temos essa oportunidade. Temos que estar preparados para quando essas questões chegarem às nossas igrejas e gabinetes pastorais.
Bispo Adolfo Evaristo de Souza, da Região Missionária da Amazônia: O mundo do Wesley Ariarajah é diferente do Brasil. O que ele apresenta é fruto de uma reflexão alta, a nível de tratamento com lideranças mundiais. Para a grande maioria dos alunos é difícil; já existem alunos vindo me procurar com dúvidas, os alunos novos têm grande dificuldade em lidar com essas questões; só quem já está na militância há muitos anos consegue. Para mim está sendo muito bom. Ser testemunha implica no conhecimento profundo de Cristo, no qual a pessoa já superou diferenças humanas e consegue manter testemunha de Cristo.
José Carlos de Souza, pastor metodista e professor da FaTeo: O encontro tem sido provocativo, no bom sentido. Leva-nos a pensar conceitos que estão sedimentados no senso comum da Igreja e nos remete a repensar com seriedade as fontes da nossa fé.
Danielle Mozena, budista, aluna da FaTeo (presencial): Estou achando muito legal. O evento tem sido muito moderno, totalmente compatível com as necessidades do saber teológico hoje.
Gladstone Nascimento, pastor de Ribeirão Preto: Estou achando muito vago. Muito acadêmico e pouco prático. Missão cristã sem Cristo não existe. Posso ter diálogo, mas não posso omitir o caminho.
Ricardo Durães, aluno da FaTeo (EAD, de Salvador): Estou gostando do tema principal. Muitas coisas precisamos que repensar. A missão de 100 anos atrás não será igual à missão de agora. O que não muda é a essência da Palavra, mas precisamos abrir a visão para algumas coisas, a fim de alcançar o mundo que muda.
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