Paulo Dias Nogueira
Mudei-me para uma nova casa.
Nela tem muitas árvores plantadas. Porém, a mais bela e que enfeita a frente
está plantada no terreno do vizinho. Trata-se de uma QUARESMEIRA. Ainda que
esteja plantada no terreno ao lado, seus galhos, folhas e flores invadem o meu
quintal.
Ela está toda florida e espalha
beleza, bem como muitas flores pelo quintal. Na realidade, forma um grande
tapete de pétalas no caminho rumo a garagem. Tudo bem que dá trabalho limpar o
quintal, mas mesmo assim é maravilhoso contemplá-la.
A quaresmeira é uma árvore
brasileira, nativa da Mata Atlântica. Seu nome científico é Tibouchina
granulosa, mas é conhecida popularmente por este nome, devido a época de
floração: janeiro-abril, ou seja período da quaresma. Ela floresce, também,
entre os meses de junho e agosto. Porém, o nome está ligado à primeira florada.
Contemplando a beleza da
árvore, lembrei-me que estamos próximos ao início da quaresma. Este é um tempo
litúrgico muito rico em espiritualidade. Infelizmente, muitos não conhecendo a
história, acreditam que o Período Litúrgico da Quaresma foi inventado para que
as pessoas se redimissem de suas falhas e exageros no tempo do carnaval. Isto
não é verdade. Por outro lado, nós evangélicos/protestantes/crentes (seja qual
for a nomenclatura que você utilize) por falta de conhecimento e até mesmo por
preconceito ao catolicismo, perdemos a oportunidade de experimentar com maior
profundidade este momento litúrgico impar proporcionado pelo Calendário
Cristão.
Vejamos um pouco da história.
A proposta de se preparar
melhor para a celebração da maior festa do cristianismo, a PÁSCOA, é algo muito
antigo, que antecede a qualquer divisão entre catolicismo e protestantismo.
Isto já era comum entre as comunidades cristãs primitivas, que realizavam uma
reunião no primeiro dia de cada semana (domingo – Dia do Senhor) para se
celebrar a memória de Jesus Cristo (Santa Ceia). Devemos nos lembrar que o
Culto Cristão nasceu em torno dessa “Páscoa Semanal”.
Por volta do século II,
influenciados pelo judaísmo, os cristãos passaram a celebrar a Páscoa
anualmente. No século III iniciou-se a tradição de se reviver a última semana
de Jesus (Semana Santa), antes de se celebrar a Páscoa. Mas foi no século IV,
que a igreja elaborou um período mais longo de preparação para esta festa
(Páscoa). Inspirados no valor simbólico do número quarenta (40 anos no deserto,
40 dias de Moisés no Monte Sinai, 40 dias das andanças de Elias até a montanha
de Deus, 40 dias que Jesus jejuou no deserto), a igreja assumiu os quarenta
dias que precedem a Semana Santa como um momento especial de preparação.
Momento oportuno para reflexão, confissão e jejum.
Porém, a partir do século XI,
surgiram algumas festas nos dias que antecediam à quarta-feira de cinzas com o
intuito de promover os prazeres da carne, já que passariam por um período longo
de jejum e abstinências se preparando para páscoa. Daí, a palavra
"carnaval", sendo que "carnis" do latim carne e "levales"
prazeres.
É importante se destacar que
não foi a quarta-feira de cinzas ou a quaresma que surgiram por causa do
carnaval, mas sim a festa do carnaval por causa da quaresma. Os quarenta dias
de preparação para a Páscoa, ainda que seja um tempo de introspecção, não deve
ser transformado num período de contemplação alienante. Deve-se tomar cuidado para
não transformá-lo numa experiência de arrependimento superficial, como fazem
muitos que apenas não comem carne ou não cortam o cabelo. Este deve ser,
sobretudo, um período radical de vivência com o Senhor.
À luz das palavras do profeta
Miquéias, podemos melhor compreender o sentido do período Quaresmal. Miquéias
fala ao povo em tom de restauração da aliança. Ele cobra atitudes práticas do
povo e nega a possibilidade dessas atitudes serem apenas ritualísticas. O que
Deus quer do Seu povo são atitudes de vida. “Ele te declarou, ó homem, o que é
bom; e que é que o Senhor pede de ti, se não que pratique a justiça, e ames a
benignidade, e andes humildemente com o teu Deus.” (Mq 6:8).
A Quaresma é o período, no
calendário cristão, em que o Povo de Deus busca arrepender-se de suas faltas e
pecados, porém não se esquecendo do que o Senhor nos ordena - que nossa
espiritualidade ultrapasse a mera contemplação e desemboque em atitudes
práticas para a promoção da vida. Vários outros profetas e escritores bíblicos,
bem como, o próprio Senhor Jesus Cristo mostrou este caminho. “Porque vos digo
que se a vossa justiça não exceder a dos escribas e fariseus, de modo nenhum
entrareis no Reino do Céus” (Mt 5:20).
Assim como nos preparamos para
uma grande festa de aniversário ou casamento, somos convidados nestes 40 dias
que antecedem a Semana Santa a nos preparar física, emocional e espiritualmente
para celebrar a ressurreição de nosso Senhor. A Quaresma não é uma propriedade
do catolicismo, mas sim de todos os cristãos que afinados à tradição dos
primeiros séculos, superam todo o preconceito para orar, jejuar e se preparar
para a PÁSCOA. Nossa Quaresma não é porque excedemos numa festa popular, mas
sim, porque reconhecemos nossas limitações e mazelas e queremos nos santificar
em Cristo Jesus, aquele que ressurgiu dos mortos.
Desejo através deste texto
fazer-lhe um convite especial. Convido-o/a a preparar-se para a preparação da
maior festa do cristianismo. Ou seja, preparar-se para iniciar o período
quaresmal deste ano (06/03 – quarta-feira) com um propósito claro de usufruir
da espiritualidade deste tempo litúrgico. Prepare-se para iniciar o período de
preparação da Festa da Ressurreição – PÁSCOA. O período da Quaresma é um tempo
oportuno de arrependimento, conversão e mudança de vida.