sábado, 23 de junho de 2012

BOA MORTE... ajudando quem amamos a atravessar o rio da vida.


Existem expressões que não conseguimos compreender num primeiro momento, é necessário  amadurecermos um pouco para, então, compreendê-las. Uma delas, que também é nome de rua em muitas cidades, é “BOA MORTE”. Sei que muitas pessoas estranham esta expressão, dizendo que se é morte como pode ser boa. Teríamos várias possibilidades de respostas a esta indagação, mas quero me ater neste breve texto a algo que estou experimentando juntamente com meus familiares. Trata-se de preparar a partida de uma pessoa querida.
Sr. Vitor poucos dias antes
de sofrer um AVC (2006)
Meu sogro, safenado, hipertenso, vítima de dois AVC, acamado há seis anos e com várias limitações físicas foi internado há uma semana, recebendo um diagnóstico médico de infecção generalizada e poucos dias de vida. A família foi comunicada rapidamente e após amortecer o impacto da notícia, começou a conversar sobre o tema. Por mais que seja comum e faça parte do ciclo da vida, o tema “morte” nos assombra. Não queremos nos despedir das pessoas com quem construímos nossa história, ainda que tenham ocorrido percalços na caminhada.
Última festa de aniversário do
 Sr. Vitor - nov de 2011
Nestes últimos dias tenho confirmando a tese de que não existe família perfeita, ou seja, as famílias apresentadas em “propaganda de margarina”. Nossas famílias são normais... temos nossos contratempos... nossas diferenças... nossos erros e acertos. Meu sogro, com seus 82 anos, provavelmente, apesar de ter realizado muitas coisas boas, tenha cometido equívocos. Na tentativa de acertar, ele pode ter cometido alguns erros. Por ser vítima da dependência do álcool, excedeu em algumas atitudes e deixou a desejar em outras. Por ter um senso exagerado de responsabilidade por sua primeira família (mãe e irmãs), penalizou sua esposa e filhos. Muitas destas coisas podem ter causado feridas profundas na segunda família.
Enquanto inicio esta breve reflexão (21.06.2012 às 17h), estou sozinho com ele aqui no quarto a menos de um metro de distância de seu leito, atento a tudo que acontece. Tenho conversado com ele, lido a Bíblia (salmos), cantado e acariciado. Sei que cada um dos familiares, no momento em que estão sozinhos com ele, também aproveitam para viver intensamente este tempo de profundo afeto. Durante a última semana temos passado praticamente o dia todo em volta de seu leito no hospital. Houve momentos em que estávamos em oito pessoas à sua volta, vivendo intensamente este tempo e buscando dignificar e valorizar cada segundo de vida do sr. Vitor.
Fui interrompido por volta das 18h, quando escrevia esta parte do texto, com a entrada do médico responsável que fez todos os exames clínicos e me disse: “Ele é forte! Está resistindo muito, mas o quadro dele é gravíssimo. Ele não suportará muito tempo”. Após sua saída eu não dei continuidade ao texto, pois já estavam chegando os outros familiares. Retornei ao texto, hoje 23.06.2012 às 10h para concluí-lo.
Com a chegada dos outros, eu me retirei do hospital às 19h. Às 19h30min minha esposa que estava no hospital me telefonou, comunicando o falecimento do sr. Vitor. Segundo minha sogra, minha esposa, sua irmã e meu concunhado que estavam no quarto naquele momento, ele partiu de forma serena. Partiu ouvindo seus familiares conversarem com ele e entre si. Partiu num ambiente mais humanizado que o do isolamento provocado pela Unidade de Terapia Intensiva (UTI) do hospital. Partiu após ouvir muitas palavras de carinho, muitos pedidos de perdão e muitas declarações de perdão. Neste mesmo dia, pela manhã, meu concunhado, Sebastião, o havia barbeado e levado um barbeiro para cortar seu cabelo. Seu semblante estava muito bonito, apesar do sofrimento causado pela insuficiência pulmonar e o estado febril por causa da infecção generalizada. Após este período de cuidados e higiene, ele foi acompanhado por minha esposa. Segundo ela, aproveitou para conversar bastante com ele e entoar algumas canções. Minha sogra a substituiu e passou um tempo conversando com ele e depois orando a seu favor. Eu fiquei um período no quarto e pude presenciar isso, inclusive registrando fotograficamente.
D. Lourdes orando pelo sr. Vitor
poucas horas antes de sua partida
Na minha percepção, o sr. Vitor que passava muito tempo sentado num sofá, sozinho, assistindo televisão, partiu rodeado por seus familiares, num ambiente fraterno marcado pelo amor e perdão. Afirmo que, na minha opinião, meu sogro teve uma “BOA MORTE”. No momento de sua partida ele estava ao lado de seus familiares. Numa linguagem figurativa, posso dizer que ao atravessar o rio que nos separa da eternidade, o sr. Vitor foi de mãos dadas com seus familiares. 
D. Lourdes conversando com o sr. Vitor
poucas horas antes de sua partida
Procuramos conduzi-lo nessa última jornada de forma digna e amável.  Porém, quando chegamos ao limite terreno deste rio, ele pode segurar nas mãos carinhosa e acolhedora de Deus. Ele descansou de sua longa jornada de forma digna e humanizada, apesar dos limites que sua enfermidade lhe impôs.
Aproveito esta reflexão para fazer duas breves homenagens, que acredito ser expressão também dos filhos, genros, nora e netos:
À D. Lourdes, minha sogra, que heroicamente cuidou dele nestes últimos anos. Sua dedicação, seu cuidado, seu altruísmo deu qualidade de vida ao seu marido diante de tantos limites impostos por suas enfermidades. Parabéns por tudo que a senhora fez. Que o Senhor a console e conforte neste novo tempo de caminhada.

Ao tio Vanil, irmão da D. Lourdes, que incansável e bem humoradamente deu banho, locomoveu e promoveu momentos de dignidade ao Sr. Vitor nestes anos de limitação física. Que o Deus dos céus lhe retribua em saúde e bênçãos.
Ainda que tenha acompanhado muitos pacientes terminais, inclusive colocando em prática minhas leituras sobre o tema, posso afirmar que a experiência como familiar é outra. Nesta, eu não era o reverendo que estava prestando acompanhamento pastoral, mas sim o Paulinho, genro do sr. Vitor. Um membro da família que sofria igualmente com os outros os passos dessa jornada. Hoje, posso testemunhar que amadureci ainda mais minha compreensão sobre a expressão “BOA MORTE”. Preparar a partida de alguém, permitindo que seja uma boa despedida, apesar da dor é uma importante missão. Ajudar nossos queridos nesta passagem, dignificando-os e auxiliando-os é uma ação nobre e humanizadora. Precisamos ajudar as pessoas a viver plenamente até darem o último suspiro... até dizerem seu último adeus. Que possamos ajudar pessoas a morrerem dignamente, assim como defendemos a ideia de viverem dignamente. A processo de partida do meu sogro me levou a refletir sobre o tema BOA MORTE. Espero que este breve relato, seja testemunho de bênção para minha família e para os leitores.
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