“Povo sem tradição morre a cada geração”
Hoje, 31 de outubro, completa 499 anos que Martinho Lutero pregou as suas,
hoje famosas, 95 Teses na porta da Catedral de Wittenberg.
Sou pastor metodista, formado em
Teologia e tive a oportunidade de também cursar a faculdade de História
(licenciatura). Gosto muito de valorizar datas e eventos históricos através de
reflexões pastorais, sermões e celebração cúlticas. Apesar da Igreja Metodista
não ter participado deste movimento (séc. XVI), ela assumiu sua teologia desde
o princípio (séc. XVIII).
Aproveitando o ensejo, apresento um brevíssimo
histórico do Protestantismo, da origem à sua inclusão no território brasileiro.
Este não é um texto acadêmico, mas uma partilha com os interessados em conhecer
um pouco mais da história da Reforma Protestante e do Protestantismo Brasileiro.
Caminhamos rumo aos 500 anos deste movimento que em seus avanços e retrocessos gerou muitos frutos.
Caminhamos rumo aos 500 anos deste movimento que em seus avanços e retrocessos gerou muitos frutos.
Um pouco de história
Reforma Religiosa do século
XVI
No século XVI era comum afixarem-se opiniões para debate em locais
públicos para que os interessados tomassem conhecimento do assunto. Quando
Lutero apresentou suas teses contra as indulgências ele estava agindo dentro da
normalidade de seu tempo. Foi graças à invenção
de Gutenberg - prensa com tipos móveis – que estas teses, bem como as idéias de
Lutero foram divulgadas com rapidez por toda a Alemanha, iniciando assim um
movimento que marcaria para sempre a história da igreja cristã – REFORMA
RELIGIOSA (Protestantismo).
Nas 95 Teses Lutero afirmava que as indulgências não tinham poder para
perdoar pecados e livrar almas da condenação; contestava o poder da Igreja como
mediadora entre os fiéis e Deus; e assegurava que todos que se arrependessem
eram remidos de seus pecados pela fé em Cristo, através da graça. Ele
não imaginava que sua convocação para debater estas teses se tornaria um
movimento tão grande que abalaria as
estruturas da igreja oficial.
Antes de Lutero muitas outras pessoas e movimentos contestaram os rumos
da igreja, porém o momento
histórico não lhes permitiu implementar inovações. Pode-se destacar entre eles
os PRÉ-REFORMADORES John Wycliff (1325-1384) e John Huss (1372-1415).
Ambos foram condenados pela igreja oficial como hereges.
Depois de Lutero (Alemanha), surgiram outros movimentos religiosos com o
mesmo intuito, reformar a igreja cristã. Calvino em Genebra e Ziínglio em
Zurique (Tradição Reformada); Simons em Zurique (Movimento Anabatista – Reforma
Redical); e Henrique VIII na Inglaterra (Anglicanismo). Numa pesquisa mais
apurada pode-se encontrar mais movimentos, mas para a finalidade deste texto os
mencionados já basta.
Verifica-se que diferentemente da
tradição católica, que apesar de sua diversidade conseguiu manter certa unidade
institucional, o protestantismo que surgiu da Reforma do século XVI gerou
várias tradições e instituições. Portanto, o correto é falar-se
“protestantismos”, e não “protestantismo”.
Protestantismo Brasileiro
Ao abordar o “protestantismo
brasileiro”, nos deparamos com uma questão mais complexa ainda, pois se
verifica a implantação de várias tradições e instituições, em momentos
históricos diferentes.
Primeiramente pode-se destacar
duas tentativas fracassadas de inserção do protestantismo no território
brasileiro: os franceses (1555 a 1560) no Rio de Janeiro e os holandeses (1630
a 1654) no nordeste.
Somente no início do século XIX a
tradição protestante inseriu-se de forma definitiva no Brasil. Segundo
Mendonça, pode-se falar de protestantismo de imigração, protestantismo de
missão e pentecostalismo/neopentecostalismo.
Protestantismo de Imigração: Em decorrência da abertura dos portos
brasileiros aos países amigos de Portugal (1808) e do incentivo do governo à
imigração européia, chegaram ao Brasil luteranos, anglicanos e episcopais. Com
o tratado de comércio e navegação firmado entre Portugal e Inglaterra (1810)
concedeu-se aos ingleses a liberdade de culto e tolerância religiosa a outros
grupos não-católicos residentes no Brasil. Este é o início do culto protestante
no Brasil. Estas tradições protestantes não influenciaram e nem promoveram
impactos na sociedade brasileira, pois seu objetivo era unicamente dar
continuidade à tradição denominacional, sem fins missionários.
Protestantismo de Missão: Somente após 1850, com a chegada de
missionários protestantes advindos da América do Norte com o objetivo de
implantar suas missões, que o protestantismo causou um certo impacto na
sociedade brasileira. É neste momento que instalam-se no Brasil as igrejas:
Congregacional, Presbiteriana, Metodista, Batista e Episcopal. Segundo Mendonça
este movimento deve ser chamado de Protestantismo de Missão. Não reconhecendo o
trabalho missionário promovido pelo catolicismo, estas denominações chegaram ao
Brasil com um objetivo claro de pregar a fé protestante/evangélica.
Pentecostalismo e Neopentecostalismo: É possível dividir o
movimento pentecostal e neopentecostal brasileiro em pelo menos três grupos
diferentes: (a) Décadas 1910-1940: chegada simultânea da Congregação Cristã no
Brasil e da Assembléia de Deus, que dominam o campo por 40 anos; (b) Décadas
1950-1960: campo pentecostal se fragmenta, surgem novos grupos – Evangelho
Quadrangular, Brasil Para Cristo e Deus é Amor; (c) Anos 70 até os dias atuais:
neopentecostalismo – Igreja Universal do Reino de Deus, Igreja Internacional da
Graça de Deus e muitos outros movimentos.
Assim como vimos que foram vários
os movimentos de reforma da igreja que foram incluídos na chamada Reforma
Protestante, vemos também que é impossível falar-se de Protestantismo
Brasileiro. O correto é afirmar que existem varias tradições protestantes no
Brasil. Portanto, “Protestantismos” brasileiro.
Outro ponto curioso com respeito
ao movimento protestante no Brasil está ligado ao campo da conceituação de
alguns termos. Há questões de ordem semântica, bem como de fundo histórico que
precisam ser compreendidas.
Ao perguntar a uma pessoa, seja
ela cristã ou não, qual a diferença entre cristão, protestante, evangélico e crente,
receberemos definições as mais variadas possíveis. Alguns enfatizarão algumas
diferenças, outros dirão que trata-se da mesma coisa.
Apresento aqui alguns
apontamentos, baseado no texto de Mendonça (MENDONÇA & VELASQUES, 1990, p.
13-16) que podem nos ajudar nesta compreensão.
Segundo o Prof. Mendonça,
enquanto na Europa e nos Estados Unidos os cristãos não-católicos se
auto-identificam como cristãos, sendo secundária a identificação pelo ramo a
que pertencem, no Brasil, assim com o em toda a América Latina, a auto
identificação protestante tem sido complicada. No Brasil, esta questão tem
história.
Crente: Esta nomenclatura foi introduzida pelos missionários
norte-americanos (protestantismo de missão) para identificar as pessoas que iam
aderindo às suas denominações. O crente era aquele que, abandonando suas
antigas crenças e práticas religiosas (catolicismo), “convertiam-se”
verdadeiramente a Jesus Cristo. Olhando de dentro deste movimento, ser crente
era uma honra e um privilégio, porém, olhando de fora este era um estigma.
Evangélico: Termo cunhado pelo movimento evangelical. Este
movimento surgiu no início do século XIX na Europa e depois se expandiu para os
Estados Unidos. Ele foi uma reação frente expansionismo ultramontanista
católico. Diante dessa força católica os protestantes se uniram através de
ligas e alianças no propósito de fortalecer alguns princípios doutrinários
comuns que os ajudasse a combater esse movimento. Pode-se chamar de uma “frente
unida” evangélica. A auto-identificação de “evangélico” era individual e
significava o compromisso da pessoa com esse conjunto de princípios
doutrinários. Antes do indivíduo pertencer a uma denominação, ele era
“evangélico”.
Protestante: Termo utilizado para referir-se ao movimento da
Reforma Religiosa ocorrido na Europa do século XVI.
Ainda que estes termos tenham
seus significados específicos e um momento histórico definido, Mendonça
apresenta a identificação atual dos cristãos não-católicos no Brasil da
seguinte forma: O termo “crentes” identifica pentecostais e protestantes
tradicionais em regiões rurais; a designação “evangélicos” auto-identifica
protestantes tradicionais de regiões urbanas e é preferido pelos
“historiadores” dessas denominações; o termo “protestantes”é utilizado por
historiadores, teólogos e sociólogos não necessariamente ligados a esses
grupos.
Espero ter colaborado um
pouquinho com seu conhecimento sobre nossa tradição protestante.
Abraços, Rev. Paulo Dias Nogueira