Em sua segunda conferência, Wesley Ariarajah falou sobre “Missão e Diálogo”. Voltando à experiência de Edimburgo, ele destacou que, a partir dos empreendimentos missionários de 1910, a religiosidade dos povos alcançados pela missão começou a se tornar uma questão existencial para os missionários. Ao conhecerem os hindus, por exemplo, eles encontraram um povo que cultivava uma profunda e rica religiosidade. Deus não estaria agindo em meio aquele povo? Já não estaria em ação na vida das pessoas da Ásia antes que os missionários chegassem?
Estas questões tornaram-se cruciais para os missionários não apenas porque diziam respeito à missão, mas porque abordavam a própria natureza e atuação de Deus.
Depois de muitos estudos, diz Ariarajah, eles chegaram à conclusão de que Deus já estava trabalhando naquele povo. Naquela época, sobretudo nos Estados Unidos, o secularismo aparecia como uma ameaça à fé. Os missionários começaram, então, a pensar que todas as forças religiosas deveriam se unir para combater o secularismo.
Essa questão foi discutida especialmente na Conferência Missionária de 1938, realizada em Tambaram, na Índia. Como documento preparatório ao evento, o missionário Hendrik Kraemer (1888-1965) preparou um estudo de 200 páginas. “Ele afirmava que toda a religião é um sistema fechado de símbolos, nos quais se incluem a idéia de Deus, pecado e salvação. Assim, não se poderia extrair partes deste sistema fechado, ou seja, adotar apenas determinados valores de uma religião ou outra, como algumas pessoas chegaram a sugerir. Para Kraemer, ainda que em todas as religiões existam valores significativos, todas as pessoas teriam que ser confrontadas com o Evangelho de Jesus”, disse Wesley Ariarajah. Alguns missionários trabalhando na Ásia não aceitaram esta interpretação. Não concordaram com a idéia de que a Revelação só ocorre dentro do Cristianismo. Em 1938, no entanto, a maioria dos participantes da conferência missionária assumiu as posições de Kraemer. A discussão continuaria no futuro.
Em 1971 surgiu um novo programa no CMI para tratar especialmente do Diálogo Inter Religioso. O Concílio Vaticano II, terminado em 1965, também havia chegado à conclusão de que era necessário o relacionamento com outras religiões e fora criado um secretariado de relações com não cristãos, denominado hoje Conselho Pontifício para o Diálogo Inter-religioso.
Segundo Wesley Ariarajah, a Conferência de Nairóbi de 1975 (quinta assembléia do Conselho Mundial de Igrejas) foi a primeira grande oportunidade de se discutir seriamente a questão do diálogo. Foram convidados consultores de outras religiões e o resultado foi uma grande controvérsia. Três pontos foram especialmente polêmicos:
1. o diálogo inter-religioso não levaria ao sincretismo?;
2. o diálogo com outras religiões não vai contra a tarefa missionária? Se aceitamos o diálogo com outras religiões, deixaremos de fazer missão?;
3. e o que dizer da unicidade e finalidade de Jesus Cristo?
Foi necessário que uma nova reunião fosse convocada, um ano depois, apenas para tratar dessas questões. Muito se estudou e muito se discutiu. O professor Wesley Ariarajah resumiu as conclusões a respeito dos três pontos controversos:
1. O diálogo inter-religioso não levaria necessariamente ao sincretismo. Quem quer se envolver no diálogo deve ter clareza de suas convicções de fé. O sincretismo pode acontecer até mesmo fora do diálogo (“o próprio cristianismo é a religião mais sincrética do mundo”, lembrou Ariarajah. Ele reúne elementos da filosofia grega e do imperialismo romano, só para citar dois exemplos).
2. É necessário deixar de lado o tipo de missão feito no tempo das colônias, no qual o cristianismo era levado junto com a espada. “Chegou a hora de nos livrarmos dessa missão colonizadora. O diálogo é onde a missão autêntica pode ocorrer”. Ariarajah lembrou que quando estava no sopé do Himalaia, em um diálogo cristão-hindu, os cristãos puderam dar um importante testemunho quando se colocaram contra o sistema de castas, afirmando o amor de Deus a todas as pessoas, sem distinção. Em contrapartida, foram questionados pelos hindus acerca da forma opressora com que o cristianismo se implantou nas colônias, numa prática que contraria a mensagem cristã do amor. “É isso o que acontece no diálogo inter-religioso”, disse Wesley Ariariajah. “O desafio mútuo. O diálogo nos ajuda a ver como os outros nos enxergam e nos dá autocrítica. Passamos a nos conhecer melhor”.
3. Quanto à unicidade e finalidade de Jesus como salvador, os estudos não puderam chegar a uma conclusão diante de questão tão complexa. Contudo, os teólogos fizeram algumas considerações: Deus ama todo o mundo. Todas as pessoas estão sob a providência divina. O Espírito de Deus está em atividade desde o início e está em todos os lugares: "O vento sopra onde quer, ouves a sua voz, mas não sabes de onde vem, nem para onde vai; assim é todo aquele que é nascido do Espírito."(João 3:8).
Wesley Ariarajah dedica-se ao estudo do diálogo inter-religioso há vários anos. Em um de seus livros, The Bible and People of Other Faiths (Geneva: WCC Publications, 1985, ainda sem tradução em português), ele diz que focalizamos toda a nossa compreensão em versículos isolados, como Mateus 29.19 (Ide, portanto, fazei discípulos de todas as nações, batizando-os em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo) e João 14.6 (Eu sou o caminho, e a verdade, e a vida; ninguém vem ao Pai senão por mim), sem estudar outros textos bíblicos bastante esclarecedores sobre a questão. Um deles seria livro de Jonas: em sua interpretação, trata-se de um texto de protesto contra a perspectiva que o povo tinha da atuação de Deus. Outro texto significativo o diálogo de Jesus com a mulher samaritana no capítulo 4 de João. Diante da polêmica que dividia judeus e samaritanos -- adorar em Jerusalém ou no monte Gerizim? – Jesus responde:
Disse-lhe Jesus: Mulher, podes crer-me que a hora vem, quando nem neste monte, nem em Jerusalém adorareis o Pai. Vós adorais o que não conheceis; nós adoramos o que conhecemos, porque a salvação vem dos judeus. Mas vem a hora e já chegou, em que os verdadeiros adoradores adorarão o Pai em espírito e em verdade; porque são estes que o Pai procura para seus adoradores. Deus é espírito; e importa que os seus adoradores o adorem em espírito e em verdade. João 4.21-24
Citando o teólogo Hans Küng, Ariarajah concluiu: "Nunca haverá paz no mundo enquanto não houver paz entre as religiões. E nunca haverá paz entre as religiões enquanto não houver diálogo. Os cristãos têm a responsabilidade de contribuir para a busca da Paz. Assim, diálogo é parte da missão".
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