quinta-feira, 3 de março de 2022

 

SERMÃO

VENCENDO AS TENTAÇÕES - SEGUINDO O EXEMPLO DE CRISTO[i]

TEXTO: Lucas 4:1-13

INTRODUÇÃO:

Exórdio:

Dentre todos os seres, sejam eles vivos ou não vivos, o ser humano é o único capaz de pensar... de refletir... de decidir. Jean-Jacques Rousseau no seu livro, “A origem das desigualdades”, conta uma parábola sobre o pombo e o gato.

 O pombo só sabe ser pombo... só sabe pombear (neologismo). E o gato só sabe ser gato, ou seja, só sabe gatear (neologismo). Eles seguem os instintos. Não refletem... não inovam... não decidem pelo melhor.

Portanto, se dissermos ao pombo que ele deve comer carne, ele morre, mas não come a carne. Ele segue puramente seus instintos.

Da mesma forma, se disser ao gato que deva comer alpiste, ele morre, mas não come. Ele segue seus instintos.

Diferentemente do pombo e do gato, nós seres hu[1]manos (homo sapiens) refletimos, inovamos, decidimos.

 Frente às possibilidades, nós decidimos e escolhemos.

Nós comemos o alpiste (linhaça, chia, centeio, quinoa, etc); comemos a carne (crua, cozida, assada, ao molho, etc); comemos o pombo e comemos o gato.

 Como o ser humano cria possibilidades, ele se defronta com opções. Ele precisa decidir “o que” e “como” irá fazer as coisas. Deve avaliar e decidir qual a melhor forma de viver/fazer as coisas.

 Existe um campo da filosofia que nos ajuda a refletir sobre esta questão: a ÉTICA. Ética, não é uma categorização prévia de condutas certas ou erradas.

 Ética é a inteligência para decidir o melhor no momento das escolhas... no momento das opções... no momento das decisões.

 Os valores que carregamos conosco é quem nos auxilia neste tempo de decisão. São eles quem nos ajudam a definir qual a melhor escolha.

 Explicação:

          Os Evangelhos são um gênero literário específico. Não são biografias helenísticas, não são memórias, não são narrativas helenísticas de milagres. Também, não estamos diante de textos jornalísticos, mas sim de textos catequéticos. Textos didáticos/pedagógicos cuja finalidade maior é ensinar... discipular a comunidade de fé. Seu objetivo é sus[1]citar a fé e fortalece-la (Kümmel).

 O nosso texto é citado nos três evangelhos sinóticos. Sempre após o batismo de Jesus e antes de Jesus iniciar seu ministério público.

 A moldura do nosso texto é o “batismo de Jesus” e sua “genealogia”, ANTES e “início da missão na Galileia” e “pregação no templo, apresentando sua plataforma de trabalho” DEPOIS.

Nossa perícope é um texto/episódio muito rico em símbolos. Traz à memória lições importantes do Primeiro Testamento.

 Por exemplo:

• Cheio do Espírito: O Espírito que se apodera...

• Deserto: Lugar de provação, tentação, mas também lugar onde se experimentou muitas bênçãos de Deus. Local onde o povo de Israel foi forjado;

• Quarenta: Número de anos do povo no deserto, número de dias em que Moisés ficou no monte, número de dias que Elias ficou no monte Horeb;

• Jejum: Prática comum e recomendada;

• Fome: A fome (necessidades fez com que o povo quisesse retornar para o Egito;

• Pão: Maná (sustento de Deus);

• Adorar o deus errado: Bezerro de ouro;

• Se és filho de Deus:

• Está escrito: Jesus cita o Primeiro Testamento. O Diabo também cita, mas só que de forma distorcida. 

Nosso texto narra que após seu batismo e antes de assumir seu ministério público, Jesus é forjado no deserto.

É ali que ele, cheio do Espírito Santo, assume sua linha ministerial. É ali que assume com clareza que tipo de Messias ele será.


Proposição: 

No texto/episódio da TENTAÇÃO, Jesus responde a três dilemas ministeriais. Dilemas estes também enfrentados por nós hoje.

 

DESENVOLVIMENTO:

 

1ª Tentação – 1º Dilema:

Devo usar meus poderes para fins pessoais?

Jesus aqui é apresentado em estado de vulnerabili[1]dade. Ele está com fome. Ele que é verdadeiramente ho[1]mem, vê-se diante de uma necessidade extrema.

Viktor Frankl, pai da logoterapia, ao relatar sobre sua experiência no Campo de Concentração Nazista afirma o seguinte sobre a FOME:

 Face ao estado de extrema subnutrição em que se encontravam os prisioneiros, é compreensível que, entre os instintos primitivos que representam a 'regressão' da vida psicológica no campo, o instinto de alimentação ocupasse o lugar principal. Observemos os prisioneiros de um modo geral quando estão juntos no lugar de trabalho, num momento em que não estão sendo tão rigorosamente vigiados. A primeira coisa de que começam a falar é comida. (Viktor Frankl).

É diante desse quadro de fome, ou seja, necessidade última, que os evangelistas colocam Jesus sendo tentado.

O diabo quer perverter o projeto ministerial de Jesus. Quer fazê-lo abandonar o projeto de Deus de salvar a humanidade, de libertar os cativos e oprimidos, mediante um passe de mágica, utilizando o poder de Deus em benefício próprio.

Jesus reconhece que esta não é a melhor opção. Ele, cheio do Espírito, assume proposta diferente. Baseado nas Escrituras Sagradas, afirma um projeto ministerial que vai mais além do que os bens materiais e o poder decorrente deles.

Hoje, também, somos tentados em nossos ministérios. Em meio as lutas e tribulações que enfrentamos em nosso dia a dia, o tentador parece fazer a mesma afirmação: “Se és filho/a de Deus, por que está passando por esta dificuldade”?

A tentação/sedução apresentada por certa Teologia, onde somos merecedores/as de prosperidade por sermos filhos/as do Rei, tem levado muitos a acreditarem que são especiais.

Nesta visão, o poder é usado para fins pessoais, enriquecimento próprio, prosperidade egoísta. A decisão de Jesus, deve iluminar a nossa decisão hoje. Em meio à tentação, somos exortados a fazer como o

Senhor. Baseados na Palavra e cheios do Espirito Santo, de[1]vemos cumprir nosso ministério em conformidade com os valores do Reino de Deus.

 

2ª Tentação – 2º Dilema:

Devo estabelecer um império poderoso que domina sobre outros?

 

Neste ponto o evangelista Lucas nos apresenta o tema do poder. Aqui o diabo propõem que Jesus realize a sua missão através do poder terreno. Ele afirma que dará a Jesus todo o poder e riqueza do mundo.

Jesus é tentado a deixar sua vocação de servo sofre[1]dor, para assumir de chefe político de estruturas injustas.

Mas a grande questão está em como poderá libertar o povo, se ele se tornará dono das vidas, controlador das liberdades, um opressor?

Para além disso, o texto apresenta uma condição. Se Jesus quisesse assumir este ministério de poder, deveria se curvar diante do próprio diabo e o adorá-lo.

Jesus reconhece que esta não é a melhor opção. Ele, cheio do Espírito e baseado nas Escrituras Sagradas, afirma um projeto ministerial que reconhece o Senhorio de Deus e Seu projeto eterno para com seu ministério terreno.

Ele declarará: “Ao Senhor, teu Deus, adorarás e só a Ele darás culto”.

Hoje, também, somos tentados/seduzidos por um ministério de poder. A busca por poder e reconhecimento tem levado muitos a abandonar o ministério do serviço e optar pelos caminhos do autoritarismo.

 Exemplos:

 • Você sabe com quem está falando?

• Você não está debaixo da minha autoridade.

• Tal pessoa não tem um coração ensinável.

 

Num mundo onde as pessoas são reconhecidas e valorizadas por aquilo que produzem ou consomem, corremos o risco de assumir um ministério que busca mais os aplausos dos homens que a aprovação de Deus.

O ministério do serviço está em baixa na atualidade.

A função de gestor/a está acima da de cuidador/a.

A ideia de um ministério pastoral eficiente tem estado mais ligado a ações de gestor/a de uma instituição religiosa do que de servo/a, cuidador/a, visitador/a, conselheiro/a.

 O bom pastor, a boa pastora é aquele/a que faz o negócio prosperar, ainda que seguindo padrões e valores nada cristãos.

 A decisão de Jesus, deve iluminar a nossa decisão hoje. Em meio à tentação de sermos poderosos, somos desafiados a seguir o exemplo de Jesus.

 Baseados na Palavra e cheios do Espirito Santo, devemos cumprir nosso ministério em conformidade com os valores do Reino de Deus - o serviço.

 

3ª Tentação – 3º Dilema:

Devo fugir da cruz e assumir um ministério espetacular?

Os evangelistas ao apresentarem esta tentação, estão tocando no tema da morte vicária de Cristo. Aqui o diabo propõem a Jesus, fazer uso indevido do poder de Deus para livrar-se da morte.

 Citando parte do salmo 91, porém tirando-o de seu contexto, ele afirma: “Aos seus anjos ordenarás a teu res[1]peito que te guardem; e: Eles te sustentarão em suas mãos, para não tropeçares nalguma pedra”.

Jesus reconhece que esta não é a melhor opção. Ele, cheio do Espírito e baseado nas Escrituras Sagradas, afirma um projeto ministerial de obediência integral ao propósito de Deus. Ele declara: “Não tentará o Senhor Teu Deus”.

Hoje, também, somos tentados/seduzidos por um ministério espetacular. A aparência é mais importante que a essência. A performance é mais valorizada que o conteúdo.

Na busca pelo espetacular que agrada aos consumidores de nosso ministério, corremos o risco de negar a cruz.

Numa sociedade hedonista, onde se deseja o prazer a qualquer custo, somos tentados a responder às expectativas dos outros, promovendo um ministério espetacular.

A decisão de Jesus, deve iluminar a nossa decisão hoje. Em meio à tentação de vivermos um ministério espetacular, que nega o sofrimento e a morte, somos desafiados a seguir o exemplo de Jesus, que optou por cumprir seu ministério cabalmente.

Baseados na Palavra e cheios do Espirito Santo, devemos cumprir nosso ministério em conformidade com os valores do Reino de Deus.

 

CONCLUSÃO: 

Diante das TENTAÇÕES NOSSA DE CADA DIA somos desafiados/as a seguir o exemplo de Jesus. Diante das propostas do diabo de perverter o projeto divino, Jesus cheio do Espírito Santo e baseado nas Escrituras Sagradas, faz sua escolha.

Faz-se necessário sermos cheios do Espírito Santo e conhecedores da Palavra de Deus, se desejamos vencer as tentações tal como Jesus.

Para tal, uma das possibilidades é investirmos mais tempo no ÓCIO e menos tempo no NEGÓCIO. ÓCIO do latim (ocium) é o mesmo que a palavra scolé do grego. Ou seja, tempo livre para pensar. Tempo produtivo de reflexão... de introspecção... de avaliação.

O contrário de OCIUM é nec-OCIUM... não ócio. Ou seja, sem tempo livre para pensar... refletir.

Às vezes estamos tão envolvidos em nossas ações ministeriais, ou seja, no NEGÓCIO ministerial que não investimos tempo no ÓCIO.

A Quaresma é um tempo oportuno de investirmos no ÓCIO. Tempo oportuno para o exercício da PRÁXIS ministerial, ou seja, ação refletida.

Que nossa Quaresma seja libertadora.

Que esta seja uma oração de dedicação, onde nos comprometemos com uma espiritualidade encarnada tal como a de Jesus.

Que Deus no ajude.



[i] Sermão proferido pelo Professor Paulo Dias Nogueira no culto comunitário da Faculdade de Teologia da Universidade Metodista de São Paulo no dia 13 de março de 2019 – períodos matutino e noturno. Culto referente ao 2° Dom de Quaresma – Ano C.

 

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