Existem expressões que não
conseguimos compreender num primeiro momento, é necessário amadurecermos um pouco para, então,
compreendê-las. Uma delas, que também é nome de rua em muitas cidades, é “BOA
MORTE”. Sei que muitas pessoas estranham esta expressão, dizendo que se é morte
como pode ser boa. Teríamos várias possibilidades de respostas a esta
indagação, mas quero me ater neste breve texto a algo que estou experimentando juntamente
com meus familiares. Trata-se de preparar a partida de uma pessoa querida.
Sr. Vitor poucos dias antes de sofrer um AVC (2006) |
Meu sogro, safenado, hipertenso, vítima
de dois AVC, acamado há seis anos e com várias limitações físicas foi internado
há uma semana, recebendo um diagnóstico médico de infecção generalizada e poucos
dias de vida. A família foi comunicada rapidamente e após amortecer o impacto
da notícia, começou a conversar sobre o tema. Por mais que seja comum e faça
parte do ciclo da vida, o tema “morte” nos assombra. Não queremos nos despedir
das pessoas com quem construímos nossa história, ainda que tenham ocorrido
percalços na caminhada.
Última festa de aniversário do Sr. Vitor - nov de 2011 |
Nestes últimos dias tenho
confirmando a tese de que não existe família perfeita, ou seja, as famílias
apresentadas em “propaganda de margarina”. Nossas famílias são normais... temos
nossos contratempos... nossas diferenças... nossos erros e acertos. Meu sogro,
com seus 82 anos, provavelmente, apesar de ter realizado muitas coisas boas,
tenha cometido equívocos. Na tentativa de acertar, ele pode ter cometido alguns
erros. Por ser vítima da dependência do álcool, excedeu em algumas atitudes e
deixou a desejar em outras. Por ter um senso exagerado de responsabilidade por
sua primeira família (mãe e irmãs), penalizou sua esposa e filhos. Muitas
destas coisas podem ter causado feridas profundas na segunda família.
Enquanto inicio esta breve
reflexão (21.06.2012 às 17h), estou sozinho com ele aqui no quarto a menos de
um metro de distância de seu leito, atento a tudo que acontece. Tenho
conversado com ele, lido a Bíblia (salmos), cantado e acariciado. Sei que cada
um dos familiares, no momento em que estão sozinhos com ele, também aproveitam
para viver intensamente este tempo de profundo afeto. Durante a última semana temos
passado praticamente o dia todo em volta de seu leito no hospital. Houve
momentos em que estávamos em oito pessoas à sua volta, vivendo intensamente
este tempo e buscando dignificar e valorizar cada segundo de vida do sr. Vitor.
Fui interrompido por volta das
18h, quando escrevia esta parte do texto, com a entrada do médico responsável
que fez todos os exames clínicos e me disse: “Ele é forte! Está resistindo
muito, mas o quadro dele é gravíssimo. Ele não suportará muito tempo”. Após sua
saída eu não dei continuidade ao texto, pois já estavam chegando os outros
familiares. Retornei ao texto, hoje 23.06.2012 às 10h para concluí-lo.
Com a chegada dos outros, eu me
retirei do hospital às 19h. Às 19h30min minha esposa que estava no hospital me
telefonou, comunicando o falecimento do sr. Vitor. Segundo minha sogra, minha
esposa, sua irmã e meu concunhado que estavam no quarto naquele momento, ele
partiu de forma serena. Partiu ouvindo seus familiares conversarem com ele e
entre si. Partiu num ambiente mais humanizado que o do isolamento provocado
pela Unidade de Terapia Intensiva (UTI) do hospital. Partiu após ouvir muitas
palavras de carinho, muitos pedidos de perdão e muitas declarações de perdão.
Neste mesmo dia, pela manhã, meu concunhado, Sebastião, o havia barbeado e
levado um barbeiro para cortar seu cabelo. Seu semblante estava muito bonito,
apesar do sofrimento causado pela insuficiência pulmonar e o estado febril por
causa da infecção generalizada. Após este período de cuidados e higiene, ele
foi acompanhado por minha esposa. Segundo ela, aproveitou para conversar
bastante com ele e entoar algumas canções. Minha sogra a substituiu e passou um
tempo conversando com ele e depois orando a seu favor. Eu fiquei um período no
quarto e pude presenciar isso, inclusive registrando fotograficamente.
D. Lourdes orando pelo sr. Vitor poucas horas antes de sua partida |
Na minha percepção, o sr. Vitor
que passava muito tempo sentado num sofá, sozinho, assistindo televisão, partiu
rodeado por seus familiares, num ambiente fraterno marcado pelo amor e perdão.
Afirmo que, na minha opinião, meu sogro teve uma “BOA MORTE”. No momento de sua
partida ele estava ao lado de seus familiares. Numa linguagem figurativa, posso
dizer que ao atravessar o rio que nos separa da eternidade, o sr. Vitor foi de
mãos dadas com seus familiares.
D. Lourdes conversando com o sr. Vitor poucas horas antes de sua partida |
Procuramos conduzi-lo nessa última jornada de
forma digna e amável. Porém, quando
chegamos ao limite terreno deste rio, ele pode segurar nas mãos carinhosa e
acolhedora de Deus. Ele descansou de sua longa jornada de forma digna e
humanizada, apesar dos limites que sua enfermidade lhe impôs.
Aproveito esta reflexão para
fazer duas breves homenagens, que acredito ser expressão também dos filhos,
genros, nora e netos:
À D. Lourdes, minha sogra, que heroicamente cuidou dele nestes últimos anos. Sua dedicação, seu cuidado, seu altruísmo deu qualidade de vida ao seu marido diante de tantos limites impostos por suas enfermidades. Parabéns por tudo que a senhora fez. Que o Senhor a console e conforte neste novo tempo de caminhada.
Ao tio Vanil, irmão da D. Lourdes, que incansável e bem humoradamente deu banho, locomoveu e promoveu momentos de dignidade ao Sr. Vitor nestes anos de limitação física. Que o Deus dos céus lhe retribua em saúde e bênçãos.
Ainda que tenha acompanhado
muitos pacientes terminais, inclusive colocando em prática minhas leituras
sobre o tema, posso afirmar que a experiência como familiar é outra. Nesta, eu
não era o reverendo que estava prestando acompanhamento pastoral, mas sim o
Paulinho, genro do sr. Vitor. Um membro da família que sofria igualmente com os
outros os passos dessa jornada. Hoje, posso testemunhar que amadureci ainda
mais minha compreensão sobre a expressão “BOA MORTE”. Preparar a partida de
alguém, permitindo que seja uma boa despedida, apesar da dor é uma importante
missão. Ajudar nossos queridos nesta passagem, dignificando-os e auxiliando-os
é uma ação nobre e humanizadora. Precisamos ajudar as pessoas a viver
plenamente até darem o último suspiro... até dizerem seu último adeus. Que
possamos ajudar pessoas a morrerem dignamente, assim como defendemos a ideia de
viverem dignamente. A processo de partida do meu sogro me levou a refletir
sobre o tema BOA MORTE. Espero que este breve relato, seja testemunho de bênção
para minha família e para os leitores.
Há algum tempo que não visitava o seu blog, hoje encontrei-o e demorei algum tempo a ver o que escreveu, fiquei maravilhado pois pode ver como está se preocupando com o próximo. Continue a proclamar o bom nome de Jesus e a edificar exortar e consolar os corações daqueles que precisam de Jesus. Sou feliz porque sei que nos iremos encontrar um dia, e receber o galardão dos nossos feitos.
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